quinta-feira, 22 de novembro de 2007

LUTO POR NÚBIA GOIANO


Foi brutalmente assassinada nesta quarta-feira última a figurinista e mulher de teatro Núbia Goiano, mãe de Edielson Goiano. Este que tive o prazer de conhecer pessoalmente em visita ao Curro Velho e que conheci mais pelo seu trabalho como dramaturgo do que pessoalmente.

Não me interessa comentar as circunstâncias do acontecimento. Até a ocasião me chegaram apenas informações desencontradas e também por achar ser um expediente inútil neste momento de dor e revolta para toda a classe artística; e absolutamente, para o filho e os familiares de Núbia.

Conheci a Núbia também muito brevemente em meados de 2001 quando da montagem do Auto das Pastorinhas da Unama e, se não conheci ao fundo o ser humano, conheci pela obra dos figurinos que confeccionava, uma mulher que pelo aprumo, carinho e dedicação ao ofício, mostrava real e genuína veneração pelo teatro e à profissão de fé do artista. Mais do que bastante para merecer todo o nosso respeito.

É consternado e revoltado que recebi esta notícia terrível ainda ontem, horas após o ocorrido.

Ouvi muitas pessoas dizerem que foi uma fatalidade. Não concordo. É um atentado à fé e à dignidade humana considerar este fato brutal apenas uma fatalidade. Este fato é o resultado de um país que, mais do que ter autoridades lenientes e irresponsáveis, está cultivando em bom adubo uma cultura que tem como lei a Lei da Selva.

Considerar o que aconteceu mais uma fatalidade é colocar os cidadãos pacíficos na condição de caça: fracos e indefesos diante de lobos com garras afiadas em uma plena e harmônica convivência natural. Não há nada de natural no assassinato diário de pessoas inocentes que estão apenas vivendo do seu trabalho. E muito menos naturalidade há em bandidos que medem a vida humana pelo conteúdo de bolsas e carteiras.

Por trás dessa falácia de que uma lei natural nos domina e que o que nos cabe nessa história de lobos e ovelhas é o papel de sacrificados, há um sinistro silogismo: o de que somos responsáveis, em algum grau, pela revolta dos bandidos e assassinos contra a sociedade, infelizes vítimas da "exclusão social" e, portanto, estamos recebendo o troco merecido ao nosso papel de excluidores históricos.

Não há direitos humanos para humanos direitos. Há "direitos humanos" para assassinos brutais que vestem a pele de cordeiro ao levar uma sova de um policial que realiza seu trabalho. Há "direitos humanos" para o infeliz ladrão que é baleado dentro da propriedade alheia. Há "direitos humanos" para todos os que optaram veementemente e insistentemente pelo papel de lobos em uma sociedade de ovelhas amarradas para o holocausto. Não são humanos policiais que morrem no dever ou pais de família a caminho do trabalho que são surpreendidos pela tragédia; como o termo acima discretamente parece sugerir, só podem pertencer a outra espécie.

Não é a questão de se eleger fulano ou sicrano, ou de destitur do poder "a" ou "b"; a mudança tem que ser na mentalidade de vítima fatal que estamos alimentando. Há de se cobrar sim de quem tem o poder e o dever de nos proteger, e para qual pagamos altíssimos impostos, o nosso direito à segurança e justiça. Há de nos posicionarmos sim contra a glamourização do bandido pobrezinho que mata dez pra comprar um tênis, de quem comete chacinas por um prato de comida. Havemos de escolher sim um front nesta batalha.

Há milhões de pessoas nesse país que são incapazes de descontar sua raiva num cão pulguento quanto mais em um ser humano. Muitos se humilham em balcões de lojas e aceitam viver um dia de cada vez uma vida mambembe como a dos artistas, apenas para não se darem o luxo de pegar em armas para cobrar sua "dívida social".

Mas a "luta pela sobrevivência" parece que têm matado o instinto de justiça e liberdade dos artistas. As gerações anteriores de palhaços, poetas e trovadores não exitavam em fazer pelo menos da sua vida um exemplo de insatisfação, quando não subiam em caixotes e montavam peças maravilhosas de protesto e lideravam uma nação inteira contra o desmando e a tirania fardada. Porém as décadas viram toda uma classe depositar suas esperanças em ideologias e lideranças de papelão, crentes de que estas trariam o paraíso à terra. Não há paraíso muito menos inferno. Há um limbo onde as pessoas suspiram eternamente uma esperança que não veio. Cientes de que ajudamos a geração anterior que sofria na mão dos censores a alcançar o poder, hoje não esboçamos um só gesto de indignação e de cobrança perante os não-fardados. Está tudo perfeito e harmônico como o foi o mundo momentos depois da Criação...

A vida humana tem um valor hoje tão profundo quanto um pires. O que choca é o roubo dos cofres públicos, das verbas para a educação e para a cultura. Militar é lutar contra a CPMF e o aumento do salário dos parlamentares. Crimes terríveis são mesmo o Mensalão e os doláres nas cuecas; o linchamento do menino João Hélio, a execução de uma família inteira em Bragança Paulista, o assassinato de Núbia Goiano e do vizinho do lado são coisas de importancia secundárias, por se tratarem de "fatalidades".

Não há planos há curto prazo pra se deter esse genocídio da população brasileira e de nosso entes queridos. Muitos ainda hão de ser oferecidos em libação no altar da "justiça social". Talvez eu, talvez você; Deus nos proteja! Mas muito podemos fazer se mudarmos agora nossa mentalidade para a valorização das coisas primeiras: e não há primazia mais urgente e mais necessária ao fazer do artista do que a defesa da vida e da dignidade humana, matéria-prima maior para a fornalha dos nossos dons divinos e nossa mais suprema missão.

*Por Luiz Fernando Vaz




quarta-feira, 14 de novembro de 2007

No princípio era o barro...














Usina de Teatro da UNAMA apresenta...
"O AUTO DAS SETE LUAS DE BARRO", de Vital Santos.

Dias 14, 15, 16, 22, 23, 28, 29 e 30 de Novembro

Sala de Experimentação Cênica da UNAMA
Campus Alcindo Cacela
5ºAndar - Bloco D

às 19:30h

-
Entrada Franca -

Direção: Paulo Santana

Classificação Livre

Informações: (91)4009-3013

Leia matéria sobre em http://teatroparaense.blogspot.com/2007/09/usina-de-teatro-ensaia-o-auto-das-sete.html

terça-feira, 6 de novembro de 2007

QUANDO A MÚSICA TERMINAR...














- Da esquerda para a direita: Artaud, Nietzsche e Jim Morrison.


*Por Marcelo Marat


O primeiro final de semana de novembro foi muito interessante para mim, em matéria de teatro. Pude assistir “As Bondosas Mulheres Choradeiras” na sexta, no Margarida Schivasapa; “Quando A Música Terminar...” no sábado, na Escola de Teatro e dança da UFPA; “Kaos” no domingo, no São Pedro Nolasco da Estação das Docas, além do SESI Bonecos no Hangar. Difícil foi escolher o que ver, e alguns espetáculos acabaram ficando fora da minha vista.

Do que vi, o que mais me impressionou foi “Quando A Música Terminar...”, criação coletiva dos alunos da Edufpa. Baseado na obra do dramaturgo francês Antonin Artaud (1896-1948), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) e do cantor e poeta Jim Morrison (1943-1971), o espetáculo utiliza esses três vértices tão díspares – e ao mesmo tempo tão próximos – para criar um clima de estranhamento, provocação, sedução e êxtase no espectador. Não há propriamente um enredo, da forma convencional, amarrando o espetáculo. No palco, oito atores utilizam música, canto e dança para desenvolver um grande ritual cujo objetivo é despertar os sentidos para o prazer da existência absoluta, a catarse de se saber mortal e finito e ainda assim não fugir disso, mas amar e viver justamente isso, esse momento fugaz, sem recorrer à esperança hipnótica das religiões. Através do Teatro da Crueldade de Artaud tem início a jornada dos atores/personagens, e do próprio público, a esse devir humano, trágico e ao mesmo tempo único e fascinante. O próprio Artaud se faz presente em duas cartas narradas durante o espetáculo, únicos textos inteligíveis (e quem conhece a trajetória de Artaud sabe o quanto isso pode soar paradoxal) num drama em que os diálogos e discursos são criados numa “linguagem secreta” de forte sonoridade. Nesse discurso, o corpo também fala, e de forma vigorosa, exigindo grande preparo físico dos atores.

Se Artaud e seu Teatro da Crueldade permeiam o espetáculo, Nietzsche, o filósofo martelador de mentes, comparece na afirmação dessa busca do além do humano através da vivência dionisíaca, onde o homem é seu próprio deus e canta e dança e faz de sua vida arte, para seu despertar. Fechando a tríade, o poeta Morrison, com sua dança xamânica de rei lagarto, dervixe moderno. Atentem, especialmente, para a seqüência em que Renato Torres gira contra a luz até a exaustão, sua sombra gigante projetada na parede. A serem notadas, também, as quatro mulheres – não três, como Hecate, as nornes ou as parcas, mas o quadrado mágico da perfeição e do equilíbrio – vendadas, ora ameaçadoras, ora sedutoras, sacerdotisas do inconsciente que me remeteram às figuras de pesadelo dos quadrinhos da editora Vertigo.

A jornada para o absoluto não é fácil. Alguns espectadores chegam a se retirar durante o espetáculo. A maioria, porém, deixa-se levar e participa, inclusive degustando água ardente estrategicamente espalhada pelo cenário. Não se preocupem: não é cenográfica, mas real e de ótima qualidade.

“Quando A Música terminar...” vale o tempo e o ingresso. É uma experiência da qual não se sai indiferente, goste-se dela ou não. Pena ser uma temporada tão curta, restrita a poucos espectadores. O público merecia uma chance maior de vê-la. Agora só no próximo dia 9, sexta-feira. Os deuses do Teatro, que sabem dançar e cantar, agradecem.


*Reprodução do Blog Ecos do Nada por Marcelo Marat


quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Tarahumaras e a tríade dos malditos




“Quando a música terminar...” é o espetáculo do grupo Tarahumaras da Escola de Teatro e Dança da UFPa (ETDUFPa) que estréia no próximo dia 2 de novembro na própria Escola. O espetáculo é resultado da linha de pesquisa “Filosofia e Arte trágica: Nietzsche, Artaud e Morrison” coordenada pelo professor Edson Fernando Santos da Silva - vinculada à pesquisa matricial O Desvelo de Procedimentos Metodológicos para Irrupções Teatrais” do Grupo de pesquisa GITA coordenado pelo Professor Cesário Augusto também da Escola de Teatro e Dança.

O grupo Tarahumaras se baseou na tríade poética/filosófica - Nietzsche, Artaud e Morrison – para realizar a pesquisa que resultou numa linguagem teatral vigorosa e intensamente instigante.

“Temos a Arte para que a verdade não nos destrua”, esta é a perspectiva estética nietzschiana trabalhada pelo grupo e onde os atores encontraram a justificativa da construção artística do espetáculo. Para isso, foram utilizados também os relatos e pensamentos de Antonin Artaud, ator e poeta francês, que com sua encantadora e voraz narrativa, intitulada Viagem à terra dos Tarahumaras, apontou os caminhos da peça teatral rumo ao Xamanismo.

“Desse modo, assumimos então, para encenação do espetáculo, o universo simbólico do Xamanismo, e modelamos as divindades gregas de “Apolo” e “Dionísio” como filhos gêmeos da “Mãe Terra” personagem anunciadora da dor primeira da existência humana. Dela nascem os Xamãs do Ar e do Fogo, que respectivamente, perseguindo esse apetite de vida artaudiano, vão em busca do alargamento de suas consciências, através de sua iniciação nos rituais do Vôo Mágico e do Domínio do Fogo, ritos recorrentes em várias tribos xamânicas pelo mundo inteiro” alegou o diretor do grupo Tarahumaras, Edson Fernando.

Fechando a tríade da pesquisa, a poesia e a musicalidade dark de Jim Morrison, vocalista e líder da banda The Doors, complementam o ambiente do espetáculo fazendo o convite derradeiro a todo aquele disposto a atravessar as portas da percepção: A música é sua amiga íntima, dance no fogo se ela quiser, a música é a sua única amiga. Até o fim.” Para Fernando, “o convite de Jim permanece vivo e nos conduz novamente a perspectiva nietzschiana, posto que o filósofo já nos alerta que sem a música, a vida seria um erro”.


ESTRÉIA: 2 de novembro às 20 horas.

PREÇO SIMBÓLICO: R$ 5,00 (meia para estudante).

CURTA TEMPORADA: 2, 3 e 9 de novembro (sempre às 20 horas)

LOCAL: Escola de Teatro e Dança da UFPa – Etdufpa / Jerônimo Pimentel esq. Com Dom Romualdo Coelho (Antigo prédio do MEC).

CONTATO: 9198 – 1099 (Edson Fernando) / 3272 – 4435 (Edson Fernando) / 9603 – 7021 (Suanny Costa)

FICHA TÉCNICA

Elenco

Dayane Jennings

Renato Torres

Edson Fernando

Andréa Bentes

Dario Jaime Souza

Luana Moura

Luiza Braga

Roberta Bentes

Participação Especial

Astréa Lucena

Iluminação

Sonia Lopes

Figurinos

Aníbal Pacha

Execução de Figurino

Mariléia Aguiar

Execução de Sonoplastia

Edie

Fotografia

Ana Flor


*Reportagem e divulgação de Suanny Costa

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

MANIFESTO EM DEFESA DO TEATRO DE BELÉM

1- Belém não possui um teatro municipal. É necessário construí-lo, não fazendo adaptações canhestras em prédios inadequados, mas criando uma estrutura verdadeiramente original, equipada e completa para a função a qual é destinada.

2- Da mesma forma, é importante que Belém possua uma companhia de teatro municipal, com uma equipe de atores e um diretor contratado pelo período de um ano, dedicados à produção de peças clássicas que, de outra forma, jamais seriam encenadas por companhias particulares, para que tanto o público quanto a classe teatral tenha acesso a essas peças.

3- A mesma concepção pode ser estendida ao governo do Estado, com a criação de uma companhia de teatro estatal.

4- É importante que as peças, montadas por essas companhias públicas, tivessem temporadas mais longas, de quatro ou cinco meses, para garantir o aprimoramento dos atores.

5- Belém precisa de um festival sério de teatro, da mesma forma que tem festivais de ópera, de dança, de cinema etc. Um festival que dê espaço tanto para grupos profissionais quanto para grupos amadores ou experimentais. A capital possui vários espaços interessantes que podem ser utilizados para espalhar teatro por toda a cidade.

6- Assim como poesia, teatro não é comercial, especialmente numa capital problemática como Belém, e especialmente quando se trata de teatro de maior qualidade, com peças mais difíceis de montar e apresentar. Dessa forma, não se pode pensar num festival como esse sem que a iniciativa venha do governo estadual e municipal, através de suas secretarias de cultura. A pressão sobre eles, portanto, pela classe artística é fundamental.

7- Da mesma forma, dentro do conceito de um festival de teatro, o intercâmbio com companhias e artistas profissionais de outros estados, ou mesmo internacionais, é muito importante.

8- A integração entre os espaços cênicos públicos de Belém deve ser incentivada e aprimorada, bem como a sua democratização e utilização racional e eficiente.

9- A classe teatral de Belém precisa de uma associação séria, que realmente a represente. Cabe a cada artista (atores, diretores, técnicos, profissionais ou amadores) o empenho para que essa representatividade seja alcançada.

10 - Educação é fundamental. Sabe-se que a questão da formação do ator passa por níveis mais complexos do poder público, que um simples manifesto não resolveria. É política federal, derivada do centro do poder e das assembléias legislativas dos estados. Não seria inviável, porém, a publicação de uma revista sobre teatro, com textos que servissem ao aprimoramento cultural, estético e crítico da classe teatral, em todas as áreas.


*Reprodução do Blog Ecos do Nada por Marcelo Marat

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

A COMPANHIA TEATRAL NÓS OUTROS PROMOVE CURSO BÁSICO DE DANÇAS CIRCULARES.

OBJETIVO: Por meio das danças circulares, vivenciar os ciclos da vida e a espiritualidade por meio de movimentos corporais e processos artísticos, com a proposta de estabelecer uma comunicação integral, despertando a alegria, espontaneidade e prontidão à vida.

PUBLICO-ALVO: atores, arte-educadores e público em geral.

METODOLOGIA: curso vivencial e teórico, numa perspectiva transdisciplinar, no qual as potencialidades humanas serão o foco principal para a aprendizagem criativa e integral.
• Partilha, debates, trocas de processos de vivência-aprendizagem dos integrantes do grupo.
• Aulas teóricas expositivas.
• Trabalho corporal.
• Meditação, relaxamento e visualização criativa.
• Origem da dança.
• O sagrado e a dança.
• Danças brasileiras.
• Danças hebraicas.

CARGA HORÁRIA: 10 horas

PERÍODO: 15 a 19 de outubro de 2007.

HORÁRIO: das 19h30 às 21h00.

LOCAL: Colégio Moderno.

FACILITADORA: Ana Cláudia Costa (Instituto Ocara e coordenadora de danças circulares do Instituto de Artes do Pará – IAP).

NÚMERO DE VAGAS: 05 (cinco)

INVESTIMENTO: R$ 50,00 (cinqüenta reais).

INSCRIÇÕES: nos-outros@hotmail.com (nome completo, endereço, telefones e e-ail)

INFORMAÇÕES: nos-outros@hotmail.com e 9116 9424 (Hudson Andrade)

SERÃO CONSIDERADOS INSCRITAS AS CONFIRMAÇÕES FEITAS ATÉ 11 DE OUTUBRO DE 2007.

HAVERÁ EMISSÃO DE CERTIFICADO.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A Zona Fala - por Camila Barbalho*


Dia desses, eu vi o espetáculo Laquê, que tem como diretores Wlad Lima e o já aclamado Cláudio Barros, no Espaço Cuíra. A peça recria a Belém de outrora, onde os marinheiros que aqui aportavam, saciavam suas vontades com as meretrizes destas bandas. Tudo isso em plena folia de Momo, com as marchinhas que marcaram a Era de ouro do rádio - cantadas a piano e vozes pelo elenco.

Se fosse só isso, bastava como excelente programação cultural. Mas não - Laquê tem muito mais de profundo (e profuso) do que julga nossa vã filosofia. A começar pelo elenco: entre atores e moradores da região, as profissionais do sexo - afinal, ninguém melhor que as próprias para reconstruir tal vivência - misturam o enredo às próprias histórias de amor, amizade, luta e dor. É bonita ver a quase-vergonha nos rostos destas mulheres sofridas, que muitas vezes desnudaram-se frente a desconhecidos, e que - ainda sim - abafam o texto com pequenas risadas, com uma inocência que não mais se vê. É bonito ver o amor com que os já profissionais se dedicam à peça, e a vibração nos olhos de cada um deles. É bonito ver um cenário histórico da nossa cidade, com riscos de tombar no esquecimento, ganhar vida e voz novamente.

Porém, mais bonito que tudo isso é o tapa-sem-mão na cara da sociedade hipócrita que trata prostitutas com ares de pena, desprezo ou indiferença. Elas mostraram - e muito bem, aliás - que nelas cabe a maior das dignidades: aquela sem ostentação, sem foto na coluna social, sem reconhecimento. Mostraram que garotas de programa, meretrizes, prostitutas, qualquer que seja o nome, são pessoas, com amores, lutas, dores e carnavais, e que juntas ajudam a formar o teatro, a história e a mesma sociedade que pra elas deu de ombros. A zona agora fala. E ganha os aplausos que merece.


*Camila Barbalho é estudante de jornalismo da UNAMA - camilabarbalhob3@hotmail.com

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A Companhia Teatral Nós Outros: um constante laboratório


A Companhia Teatral Nós Outros apresentou, neste último final de semana, no Teatro Waldemar Henrique, o "EXERCÍCIO Nº 01: O HOMEM DO PRINCÍPIO AO FIM", resultado da oficina de Preparação de Atores promovida pela companhia e coordenada por Adriano Barroso e Aílson Braga. No elenco: Ives Oliveira, Mariana Pureza, João Lucas, Mary Ferreira e Hudson Andrade. Aclimatando a cena com guitarras, percussão, violoncello e violino, os músicos Júnior Cabrali e Ray Thomas.

O adaptação do original de Millôr Fernandes faz a trajetória da humanidade de Adão até a bomba H, uma crítica da condição humana com a irreverência e a transgressão típicas do multimidiático escritor carioca. A literatura universal e brasileira perpassa o texto de Millôr, situando essa trajetória da saga do homem em personagens, protestos, poemas e canções.

"Esse exercício é parte de um processo constante de pesquisa da companhia. Neste nos focamos na construção da personagem, na pesquisa dos gêneros teatrais...", comenta Adriano Barroso, que assina a encenação com o parceiro de longa data Aílson Braga.

"Sempre fizemos processos longos de pesquisa. Fazemos oficinas de capacitação dentro dos elementos que compõe nossos espetáculos. A Companhia foi contemplada com o Prêmio Myrian Muniz este ano, para montar 'Comédia de Erros', de Shakespeare, e desde logo este desafio exige a pesquisa da construção da personagem e do dizer do texto. Isso envolve desde o estudo do texto até a dicção, a impostação etc.", explica Hudson Andrade, que atua no exercício e é um dos fundadores dos Nós Outros.

Ives Oliveira e Mariana Pureza faziam faculdade de Biologia e contam como aconteceu essa verdadeira conversão. "Começei no Grupo Cronos e desde então tenho descoberto uma nova escola, uma nova maneira de se auto-conhecer", conta Ives. "O Ives me convidou pra assistir um ensaio, fui ficando e ficando, agora estou aqui descobrindo uma nova profissão", completa Mariana.

"Começamos esse processo por volta de fevereiro ou março, se vendo todas as noites, estudando um ao outro. Descobri que o ator, todo ator, precisa estudar. É uma busca incessante. Não se pode se acomodar com o que está fazendo, se achar o máximo", revela Mari Ferreira. Sobre serem dirigidos por Adriano e Aílson, João Lucas comenta: "Eles não nos dão a chave, deixam a gente descobrir".

A Companhia ainda prepara para o fim do ano a volta de "O Glorioso Auto do Nascimento do Cristo-Rei".

A Companhia Teatral Nós Outros foi fundada por Belle Paiva e Hudson Andrade em 2002. Seu espetáculo de estréia foi Fica Comigo Esta Noite, encenado no Palacete Bolonha (junho de 2002), Casa da Cultura de Castanhal (2002, integrando o projeto Circuito Cultural Amazônia Celular), Teatro Experimental Waldemar Henrique (agosto de 2003) e no Auditório Costa Cavalcanti (março de 2004, integrando o projeto Quintas Culturais Artes Integradas do Banco da Amazônia).

Em junho de 2004 entrou em cartaz Medéia – A Tragédia do Feminino Ultrajado (Instituto de Artes do Pará e Espaço Cultural Ernesto Pinho – Ministério Público do Estado do Pará), baseado no texto de Eurípedes. Ambos os trabalhos tiveram a assinatura de Adriano Barroso e Aílson Braga e refletiram a busca da Companhia por uma linguagem própria, mescla de conceitos e experimentos, cuja regra básica é: O público não pode sair dos nossos espetáculos do jeito que entrou.


*Matéria de Luiz Fernando Vaz

terça-feira, 25 de setembro de 2007

TP entrevista PAULO MARAT


















Paulo Marat, ator batizado pelo teatro, solta o verbo nessa entrevista concedida ao blog Teatro Paraense. Orgulhoso de sua geração, relembra os tempos que passou pela Escola de Teatro, fala de sua passagem honrosa pelo cinema e avisa ao governo: "Se quiser animar festa que contrate palhaços!"


Teatro Paraense:
Clichê por clichê: falemos do início.

Paulo Marat: Tudo começou por causa de uma paquera, uma aluna da Escola de Teatro da UFPA, quando ainda funcionava lá no campus do Guamá, no Vadião. Eu já via os espetáculos que rolavam no campus e, pra ficar mais perto da garota, me matriculei no campus. Passei no teste e fiz um ano de curso com uma turma muito boa: Claudio Barradas, Marlucio, Mareco... Depois tive que abandonar devido ao tempo muito apertado com as aulas de Educação Artística.

TP: Então fazias Educação Artística?

Marat: Sim, eu sempre gostei muito desse negócio. Mas voltei pra escola alguns anos depois. Adivinha o motivo? Outra garota.

TP: As garotas sempre decidindo o teu destino...

Marat: Nesse tempo eu conheci uma bailarina que era amiga do Miguel Santa Brígida...ficamos amigos...e ele estava coordenando a Escola de Teatro.

TP: Isso foi em que ano?

Marat: 1989. Nesse ano teve o primeiro Auto do Círio com o Amir Haddad. Foi um tempo muito bom. Os professores eram ótimos: Wlad, Miguel, Olinda, Walter, Marton, Teka Salé era preparadora corporal, depois veio a Karine...

TP: Me conta a história do nome "Marat".

Marat: Quando eu voltei pra Escola, a montagem de final de ano era o texto Marat-Sade e eu fiz o personagem do Marat. O processo foi muito forte... Tinha outro Paulo no terceiro ano e pra diferenciar me chamavam de Paulo que fez o Marat...e aí pra pegar foi rápido...Eram duas turmas na montagem, o primeiro e segundo ano, disputa de personagem... era um perigo! Você podia acordar com a boca cheia de formiga no outro dia.

TP: E como foi ser dirigido pela Wlad Lima?

Marat: Na primeira montagem, eu sofri muito... cheguei até a chorar: "Não vou conseguir...Não quero mais" Pura frescura... Depois ensaiei um espetáculo chamado Os Palhaços alguma coisa ...não me lembro bem. Já foi melhor... Mas realmente fiquei apaixonado por ela ...devido os detalhes que ela queria ver em cena. Ela se empolga com você, ela ri com você, ela pensa com vc, vira amiga da montagem. Agora se você for sem nenhuma base de pesquisa...ela manda tu te fud* e fala que tem mais o que fazer... Ator criador: é isso o que ela quer.

TP: A Wlad provoca mesmo...

Marat: Hoje ela continua me provocando, mas de uma maneira diferente...

TP: E como foi pra você parar dentro de um set de filmagem?

Marat: O primeiro curta que eu fiz foi "O Morto"do Ronaldo Rosa. Uma produção modesta, mas muito competente que tinha a direção de elenco da Wlad e a produção do Cláudio Barros. A Escola de Teatro foi a base da procura do elenco, como eu já tinha essa cara de bandido...foi rapidinho. Eu fazia um serial kiler que matava crianças. Foram 2 semanas de filmagem em vários pontos de Belém. O Filme foi pro festival Guarnicê em S. Luis. O governo do estado bancou passagem...Super chique com tapete vermelho e tudo.

TP: Lá você conheceu a Dira Paes...

Marat: Ela me deu uns toques sobre as diferenças entre cinema e teatro. Depois eu fiz um curta pra uma ONG, dirigido pela Marluce Oliveira, mas nunca vi o filme...

TP: E o Açai com Jabá?

Marat: Quando os diretores ganharam o premio pra fazer o filme , chamaram o Cláudio pra fazer a seleção dos atores.

TP: Aquela camisa do Paysandu, que era aquilo?

Marat: Um dos diretores que é Paysandu doente pergunto para qual time eu torcia. A camisa que eu usei no filme é dele. Eu brincava no set com as pessoas que iam ver a filmagem. Alguns perguntavam:" Por que essa camisa...?"E eu enrolando a lingua pra parecer de fora... Eu dizia: "Pô, sabe o que é? A gente é do Rio e achamos essa camisa a mais bonita de todos os times de Belém. Foram 15 dias de filmagem e dezoito litro de açai do especial.

TP: Você trabalhou com a Nilza neste curta. Como é atuar com a nossa dama do teatro?

Marat: A Nilza é maravilhosa, de uma simplicidade e de um carinho com todo mundo. Não se tem noção do que ela representa pro cenário artistico paraense.

TP: Voltemos ao teatro... Quando estreastes na direção? Como foi?

Marat: Também em 1989 conheci uma turma da Cidade Nova e fui ver um ensaio que eles estavam fazendo na garagem da casa de um deles. Tinha lá umas trinta pessoas, que faziam teatro na Igreja católica. Era um espetáculo sobre o aluno mal e o aluno bom com diabinho e anjinho, essas coisas... Consegui convencer o que coordenava o ensaio a começar uma nova montagem e assim começou o grupo Anthares. Montamos o espetáculo "Não", uma adaptação de Romeu e Julieta sem texto. A única palavra que entrava era "Não", dita pela figura do padre que dá o veneno pra Julieta. Foi todo ensaiado na Cidade Nova, em uma garagem. Fizemos temporada nas praças....maior sucesso....fizemos iluminação de lata, com mesa de luz e tudo. Tinha um ator que tinha aquelas canetas de "laser", ele focava no sensor dos postes da praça para que eles apagassem e a nossa iluminação tivesse efeito. Fizemos uma temporada no Sesc da Cidade Nova e no Sesc de Castanhal. Daquela turma, dois estão em São Paulo fazendo e vivendo de teatro. Eram 21 atores, uma loucura.

TP: Falando em "viver de teatro", como você avalia o fazer teatral na cidade hoje?

Marat: Está começando a melhorar. Nós como diretores e atores, nunca aprendemos a fazer produção...Produção é outra coisa. O diretor não pode fazer produção, porque se não entra o coração e aí vai a merda. Vai gastar mais do que tem e lá vai...Temos exemplos muito bons de boas produções, como O Palha, o Cuíra, O Gruta, a Inbust, a Cia atores Contemporâneos, a Dramática. Muitos voltando à cena...

TP: Estão todos, mais ou menos, procurando um caminho independente de apoio governamental ou da mídia...

Marat: Eu acho que a saída é os grupos terem seu espaço independente de governo. Se nosso produto for bom o governo vem e compra. Não queremos esmola. O governo tem sim é que nos reapeitar enquanto fomentadores de cultura. Se quiser animar festa que contrate palhaços!

TP: O que é o Kaos?

Marat: O Kaos faz parte de um projeto maior da Dramática, chamado de Pão Nosso de Cada Dia. A idéia é sete atores falarem de sua visão sobre a criação do mundo relacionado aos sete dias da semana. Isso independente de crença religiosa. Fazendo essa ligação também com o processo de criação de um espetáculo. O Kaos sou eu quem faço... A rua, a praça aos domingos... Só lembra caos, não é?...Então daí eu saio com uma bikesom, tentando contar como tudo começou e como nós temos que tomar cuidado com o tempo, pois pode não dar tempo de você curtir o dia... Nisso eu falo de Deus, celular, carnaval, macumba, e até do bicho homem.

TP: Pode soltar o verbo Marat...

Marat: Acho que a classe artística paraense tem que parar de falar mau dos outros artistas e ver mais o trabalho dos amigos pra quem sabe aprender um pouquinho mais.


*Por Luiz Fernando Vaz



























sábado, 22 de setembro de 2007

Usina de Teatro ensaia "O Auto das Sete Luas de Barro", de Vital Santos







"O Auto das Sete Luas de Barro", de Vital Santos é a peça que a Usina de Teatro da UNAMA pretende mostrar brevemente ao público. Trata-se da vida e da obra do Mestre Vitalino, ceramista e artista popular consagrado pelo talento de moldar bonecos de barro. Nativo de Caruaru, no sertão pernambucano, o mestre criou escola com a sua arte simples que retratava o cotidiano sofrido do povo nordestino.


"Mestre Vitalino teve um destino igual ao de muitos artistas populares. Ele é da mesma estirpe genial de um Mestre Verequete ou de um Mestre Cupijó, que são artistas daqui da nossa terra. Apesar de ter tido um reconhecimento imenso de sua obra ainda em vida, ainda amargava dificuldades imensas para viver de seu trabalho, não obstante a importância e a beleza de sua obra.", diz Paulo Santana. "Vamos falar da cultura do povo nordestino com alegria, como se estivessemos falando da nossa. É impossível transmitir para os atores a vivência de um povo que não está diretamente no seu sangue, mas a energia e alma popular brasileira está em todos nós. Falando deles falamos de nós e vice-versa", continua.

A Usina de Teatro da UNAMA é composta por alunos da instituição e por pessoas da comunidade. "A comunidade que circunda o campus da Alcindo Cacela, principalmente da Pedreira e do Umarizal, espera nossos trabalhos, inclusive cobrando. Alguns atores são até parados na rua e lhes perguntam: "Ei! Quando vai ter peça de novo?", comenta o coordenador do Setor de Artes Cênicas e Musicais da universidade.

"Em uma década de história, a Usina tem muito o que contar", continua o diretor," já foram realizadas diversas montagens e adaptações, inclusive premiadas, tais como: 'O Silêncio é de Ouro, A Palavra de Latão' , de Gian Francesco Guarnieri, com premiação na XV Mostra Estadual de Teatro do Pará, em 1999, promovido pela Federação Estadual de Atores, Autores e Técnicos de Teatro; 'Auto da Barca do Inferno', de Gil Vicente; 'Ubu – Uma Odisséia em Bundalelê', inspirado na obra Ubu Roi, de Alfred Jarry; 'Prelúdio', de Waldemar Henrique; e 'De uma noite de Festa', de Joaquim Cardoso; "Cancão de Fogo", de Jairo Lima e agora essa obra-prima do Vital Santos."

Os atores e atrizes da nova montagem estão tendo aulas de preparação corporal com Luiz Fernando Vila Nova, acompanhamento de fonoaudiólogo e ensaios quase diários. "Está sendo muito difícil. Interpretar uma criança não é fácil. Tenho observado crianças nas ruas e isso tem me ajudado", comenta Thyago Freitas, ator que está interpretando Vitalino quando criança e é bolsista da universidade.

"Acho que nós vamos mostrar esse texto da maneira que o Paulo exige. É meu primeiro espetáculo", acredita Duda Moraes, que interpreta Vitalino adulto. Lucas Girard, que interpreta a fase mais conflituosa do Mestre Vitalino, desiludido e entregue à bebida, completa: "Ele materializava o sofrimento do povo no barro. Ver além do homem ingênuo, do Nordeste, ultrapassando os estereótipos é difícil.

Sobre o autor Vital Santos

Teatrólogo pernambucano, iniciou a carreira na cidade de Caruaru, Pernambuco, onde em 1966 foi um dos fundadores do Grupo Evolução. Em 1967, escreveu sua primeira peça: "Feira de Caruaru".

Com a peça "Rua do Lixo 24", escrita em 1968, ganhou cinco prêmios no Festival Nacional de Teatro (realizado em 1969) e percorreu o Brasil inteiro. Com a peça "O Auto das Sete Luas de Barro" (uma biografia do ceramista Mestre Vitalino) ganhou vários prêmios, entre os quais o Prêmio Molière; Mambembe; da Associação dos Críticos de Arte de São Paulo e o Prêmio Governador do Estado do Rio de Janeiro. Outra peça ganhadora de vários festivais nacionais de teatro foi "O Sol Feriu a Terra e a Chaga se Alastrou".

Vital Santos é um pernambucano de fácil comunicação, nascido e criado em Caruaru, uma das mais importantes cidades do agreste, que entendeu, desde cedo, que de nada adianta a (in)formação intelectual alienígena, sofisticada, sem estar com o pé na terra - nem sempre generoso do Nordeste, assolada por problemas que o homem, apesar de tudo, sabe enfrentar. Por isso, há muitos anos que vem desenvolvendo uma dramaturgia profundamente brasileira, escrevendo sobre as coisas do povo, utilizando seus valores, símbolos e conceitos em 14 peças, 8 das quais já encenadas e três premiadas. Seu entusiasmo, amor e dedicação pela cultura popular foram reconhecidas e mesmo não sendo político acabou sendo designado para a Secretaria de Turismo e Cultura daquele município.

* Matéria de Luiz Fernando Vaz

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

TP entrevista CARLOS HENRIQUE VIEIRA


Carlos Henrique Vieira, paraense, 35 anos, é figurinista, carnavalesco, aderecista e cenógrafo formado pela Escola de Teatro da UFPA. Debutou na cenografia há quase cinco anos com o ousado cenário do espetáculo "Van Gogh, por Antonin Artaud", dirigido por Paulo Santana e encenado pelo Grupo de Teatro Palha, levando, logo de cara, o prêmio de Melhor Cenário na XX Mostra Estadual de Teatro da FESAT.
Carlos Henrique fala um pouco da sua descoberta do teatro, do prêmio da FESAT, de sua experiência no Carnaval, de sua parceria com Paulo Santana, de sua formação, influências, Escola de Teatro da UFPA e a cena teatral.

Teatro Paraense: Como aconteceu seu contato com as Artes Cênicas?

Carlos Henrique: Foi ocasional. Nada intencional. Tudo começou quando resolvi aceitar um convite para criar o figurino da peça "Ubu Rei, de Alfred Jarry", da Usina de Teatro da UNAMA. Confesso que fiquei meio inseguro pois nunca tinha feito nada pra teatro. Mas já começei certo porque eu começei pela leitura da dramaturgia que me subsidiou uma compreensão mais próxima do que o diretor pedia. Os desenhos foram dando certo, ainda bem... Aí fui me envolvendo cada vez mais na encenação e o que eram apenas desenhos, se desdobraram em material para o trabalho do ator. Isso foi me apaixonando. Dai não teve mais volta.

TP: Quer dizer que você já desenhava antes de fazer os figurinos dessa peça?

Carlos: Sim. Desenhava, eu acho , desde o útero da minha mãe (risos). Era meu passatempo desde pequeno. Desenhava muito, riscava tudo. Minha mãe dizia que eu não deveria desenhar na areia pois o tempo apagava... Desenhava por desenhar, me expressava, eu acho. Tinha uma obsessão por desenhar o corpo feminino, enchia cadernos, buscava aquela perfeiçao. Acho que isso foi melhorando cada vez mais meu traço. O mais intrigante é que eu não desejava ser desenhista, não tinha esa finalidade... Eles precisavam sair e eu os desenhava. O mais irônico foi que, antes de fazer os desenhos que se tornariam figurinos do "Ubu", eu não desenhava há três anos de tão ocupado que estava.

TP: E cadê esse desenhos dessa fase profícua?

Carlos: (Risos) Ixi! Perdi todos....Nunca guardei, ninguém guardou... Dei alguns, eu acho...

TP: E você fazia o quê antes do Teatro?

Carlos: Antes dava aulas de reforço de matemática, português, redação, física. E estudava, estava no segundo ano de Economia na UFPA.

TP: Nossa! Da economia para os palcos... Que distância!

Carlos: É verdade! Sempre tive em contato com as Ciências Exatas, esse universo frio de cálculos, fórmulas, gráficos...Talvez tenha sido por isso que o mundo de Teatro, o mundo da criação, do imprevisível subjetivo da Arte tenha me arrastado com tanta força. Era a tentação da mudança radical, do mundo racional para o frio na barriga do palco e do resultado que nele acontece. Acho que o poder de criar transforma. Faz bem essa adrenalina toda.

TP: E como foi ganhar assim, logo de cara, começando, o prêmio do festival da FESAT em 2004 com o cenário do "Van Gogh"?

Carlos: Eu fiquei bastante surpreso. Porque o cenário que eu fiz deu muito trabalho e foi o primeiro realmente autoral. E eu não tinha experiência do que poderia dar certo ou não em cena no palco. Ao mesmo tempo imaginava que os outros grupos já estavam mais além do que eu poderia fazer no momento. Fiquei surpreso com o prêmio do cenário e com a indicação a Melhor Figurino do "Burrinho Pedrês". Isso me mostrou que eu poderia estar no caminho certo.

TP: E como surgiu o carnavalesco Carlos Henrique?

Carlos: Aí a estória se repetiu. Nunca gostei de carnaval, de desfile de escola de samba. De repente, fui convidado pela Acadêmicos da Pedreira. Outro desafio enorme. Tive que lidar com muita gente, com um tempo pequeno, com uma responsabilidade de manter uma tradição. Vestir duas mil pessoas não foi fácil. Mas, com certeza, foi o teatro que me abriu essa porta. Mas é inegável que minha habilidade com o desenho é meu carro-chefe.

TP: E como é criar ao lado do polêmico Paulo Santana?

Carlos: Pesa muito menos criar ao lado dele. Ele tem uma visão, uma experiência global do teatro que te deixa seguro. É um profissional completo. Ele não sabia pôr no papel toda a sua loucura de criador e meus desenhos congelaram aquilo tudo em forma, em execução. Não acho ele polêmico. Acho ele exigente. Ele sabe o que quer, tem conhecimento de causa. Ter o rigor dele ao nosso lado é muito empolgante. Ele é muito flexível. Briga pelo que ele quer mas cede quando percebe o êxito do esforço das pessoas. O resultado disso o público conhece.

TP: Você se formou em cenografia pela escola de Teatro da UFPA. Como é a sua avaliação do curso e da própria escola de Teatro?

Carlos: Bem, quando eu entrei eu já tinha uma experiência de vários espetáculos, que tinham exigido muito de mim. Inclusive, no momento que eu entrei, estava fazendo o Carnaval do Acadêmicos. Isso fez com que eu exigisse que o curso me desse embasamento para o que eu fazia e conhecesse mais material para que eu trabalhasse na área. Até porque em Belém não tem nada que te ensine a ser cenógrafo. Minha avaliação é que naquele momento da minha entrada no curso a escola não estava preparada pra formar cenógrafos. Foi uma relação de muita exigência de toda uma turma de cenógrafos e profissionais diante de um corpo docente que não nos passava muita segurança no que ensinavam. Estavam todos tentando acertar, alunos e professores. Ainda estão tentando. De uma turma de 25 restaram seis para se formar.

TP: Quer dizer que não valeu a pena?

Carlos: Valeu a pena sim... É claro! Fez com que eu percebese que o cenógrafo, o carpinteiro teatral têm que conhecer os materias e as ferramentas do seu trabalho na prática. E a falta dessa prática na Escola fez eu perceber que isso era crucial, pois o que eu fazia lá fora me exigia aquilo e continua exigindo de todos nessa profissão. Mas o melhor foi a oportunidade de exercitar a criatividade diante da escassez de recursos. O curso, apesar das dificuldades e dos erros, provou ser de fundamental importância para a cidade. Muitos dos meus companheiros que cursaram comigo passaram agora nesses últimos concursos da Secult e da Fundação Tancredo Neves. Maravilha! Vão trabalhar dentro dos nossos teatros. Quem sabe eles não mudam essa realidade do artista entrar no teatro e ter que lidar com um cara que acha que subir ali e acolá pra pendurar um cenário é exagero. Quem sabe com cenógrafos, figurinistas e aderecistas amantes do teatro haja mais empenho daqueles que nos recebem nos teatros!

TP: Mas já rolou essa situação?!

Carlos: Rola, mas também não é sempre. Agora mesmo que os funcionários dos teatros, pressentindo a demissão e a substituição, estão se negando a fazer as coisas, ou fazendo com cara feia e má vontade. Quando tem que dar assistencia ao cenógrafo, ao iluminador, ao sonoplasta, para que ele adapte seu trabalho ao teatro, eles, ás vezes, dificultam e fazem serão. Isso é irritante. Coloque aí que não são todos. Mas basta um com esse espírito de porco pra tornar o clima insurpotável.

TP: Você viajou pela Caravana Funarte com o espetáculo "Nu Nery", do grupo de teatro Palha, dando oficinas. Que eram essas oficinas e como foi a experiência?

Carlos: As oficinas tinham muito a ver com a minha experiência de trabalhos nos grupos. Falava dos materiais que eu utilizava pra fazer os cenários. O título era "A Construção do espaço Cenográfico com materiais alternativos: o regional e o reciclável". Na verdade, era mais um bate papo, uma exposição do nosso fazer aqui da região. O tempo era pouco, não dava pra ensinar uma prática em 4 horas sobre os vários materias de que falava. Mas foi magnífico! Foi uma troca de experiências e idéias com os públicos locais maravilhosa. Teve uma procura muito grande de vários profissionais e aprendi mais com eles do que eles comigo(risos).

TP: Quais são as suas influências principais no seu fazer teatral?

Carlos: Gosto muito de assistir cinema e imaginar a confecção de cenários, a concepção. A estética fantástica do cinema me fascina. Queria muito que meu trabalho, o nosso trabalho se aproximasse daquilo que é feito no cinema. Mas trazendo o assunto mais para a nossa realidade, fico com o trabalho do J. C. Serroni. O pioneirismo dele, do José de Anchieta, do Flávio Império. A Daniela Thomas é outra maravilhosa. Svoboda, é claro, não podia deixá-lo de fora....

TP: Como você avalia a cena atual do teatro na cidade de Belém?

Carlos: Eu acho que ele tá buscando um profissionalismo maior dos atores, dos profissionais. Mas na prática do que legalmente, o artista de carteira assinada, com seus direitos e tal. Mas existe uma grande vontade que já tá movendo os grupos. Eles estão inaugurando sedes próprias(como o Cuíra) abrindo pautas e ficando em cartaz. Pra dar uma guinada é necessário urgentemente também um curso de Artes Cênicas de nível superior na cidade, que englobe não só o ator mas também toda a carpintaria do teatro. Ainda têm muito por se lutar. Mas esse aí é um bom caminho.


*Por Luiz Fernando Vaz