quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A Zona Fala - por Camila Barbalho*


Dia desses, eu vi o espetáculo Laquê, que tem como diretores Wlad Lima e o já aclamado Cláudio Barros, no Espaço Cuíra. A peça recria a Belém de outrora, onde os marinheiros que aqui aportavam, saciavam suas vontades com as meretrizes destas bandas. Tudo isso em plena folia de Momo, com as marchinhas que marcaram a Era de ouro do rádio - cantadas a piano e vozes pelo elenco.

Se fosse só isso, bastava como excelente programação cultural. Mas não - Laquê tem muito mais de profundo (e profuso) do que julga nossa vã filosofia. A começar pelo elenco: entre atores e moradores da região, as profissionais do sexo - afinal, ninguém melhor que as próprias para reconstruir tal vivência - misturam o enredo às próprias histórias de amor, amizade, luta e dor. É bonita ver a quase-vergonha nos rostos destas mulheres sofridas, que muitas vezes desnudaram-se frente a desconhecidos, e que - ainda sim - abafam o texto com pequenas risadas, com uma inocência que não mais se vê. É bonito ver o amor com que os já profissionais se dedicam à peça, e a vibração nos olhos de cada um deles. É bonito ver um cenário histórico da nossa cidade, com riscos de tombar no esquecimento, ganhar vida e voz novamente.

Porém, mais bonito que tudo isso é o tapa-sem-mão na cara da sociedade hipócrita que trata prostitutas com ares de pena, desprezo ou indiferença. Elas mostraram - e muito bem, aliás - que nelas cabe a maior das dignidades: aquela sem ostentação, sem foto na coluna social, sem reconhecimento. Mostraram que garotas de programa, meretrizes, prostitutas, qualquer que seja o nome, são pessoas, com amores, lutas, dores e carnavais, e que juntas ajudam a formar o teatro, a história e a mesma sociedade que pra elas deu de ombros. A zona agora fala. E ganha os aplausos que merece.


*Camila Barbalho é estudante de jornalismo da UNAMA - camilabarbalhob3@hotmail.com

Nenhum comentário: