terça-feira, 6 de novembro de 2007

QUANDO A MÚSICA TERMINAR...














- Da esquerda para a direita: Artaud, Nietzsche e Jim Morrison.


*Por Marcelo Marat


O primeiro final de semana de novembro foi muito interessante para mim, em matéria de teatro. Pude assistir “As Bondosas Mulheres Choradeiras” na sexta, no Margarida Schivasapa; “Quando A Música Terminar...” no sábado, na Escola de Teatro e dança da UFPA; “Kaos” no domingo, no São Pedro Nolasco da Estação das Docas, além do SESI Bonecos no Hangar. Difícil foi escolher o que ver, e alguns espetáculos acabaram ficando fora da minha vista.

Do que vi, o que mais me impressionou foi “Quando A Música Terminar...”, criação coletiva dos alunos da Edufpa. Baseado na obra do dramaturgo francês Antonin Artaud (1896-1948), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) e do cantor e poeta Jim Morrison (1943-1971), o espetáculo utiliza esses três vértices tão díspares – e ao mesmo tempo tão próximos – para criar um clima de estranhamento, provocação, sedução e êxtase no espectador. Não há propriamente um enredo, da forma convencional, amarrando o espetáculo. No palco, oito atores utilizam música, canto e dança para desenvolver um grande ritual cujo objetivo é despertar os sentidos para o prazer da existência absoluta, a catarse de se saber mortal e finito e ainda assim não fugir disso, mas amar e viver justamente isso, esse momento fugaz, sem recorrer à esperança hipnótica das religiões. Através do Teatro da Crueldade de Artaud tem início a jornada dos atores/personagens, e do próprio público, a esse devir humano, trágico e ao mesmo tempo único e fascinante. O próprio Artaud se faz presente em duas cartas narradas durante o espetáculo, únicos textos inteligíveis (e quem conhece a trajetória de Artaud sabe o quanto isso pode soar paradoxal) num drama em que os diálogos e discursos são criados numa “linguagem secreta” de forte sonoridade. Nesse discurso, o corpo também fala, e de forma vigorosa, exigindo grande preparo físico dos atores.

Se Artaud e seu Teatro da Crueldade permeiam o espetáculo, Nietzsche, o filósofo martelador de mentes, comparece na afirmação dessa busca do além do humano através da vivência dionisíaca, onde o homem é seu próprio deus e canta e dança e faz de sua vida arte, para seu despertar. Fechando a tríade, o poeta Morrison, com sua dança xamânica de rei lagarto, dervixe moderno. Atentem, especialmente, para a seqüência em que Renato Torres gira contra a luz até a exaustão, sua sombra gigante projetada na parede. A serem notadas, também, as quatro mulheres – não três, como Hecate, as nornes ou as parcas, mas o quadrado mágico da perfeição e do equilíbrio – vendadas, ora ameaçadoras, ora sedutoras, sacerdotisas do inconsciente que me remeteram às figuras de pesadelo dos quadrinhos da editora Vertigo.

A jornada para o absoluto não é fácil. Alguns espectadores chegam a se retirar durante o espetáculo. A maioria, porém, deixa-se levar e participa, inclusive degustando água ardente estrategicamente espalhada pelo cenário. Não se preocupem: não é cenográfica, mas real e de ótima qualidade.

“Quando A Música terminar...” vale o tempo e o ingresso. É uma experiência da qual não se sai indiferente, goste-se dela ou não. Pena ser uma temporada tão curta, restrita a poucos espectadores. O público merecia uma chance maior de vê-la. Agora só no próximo dia 9, sexta-feira. Os deuses do Teatro, que sabem dançar e cantar, agradecem.


*Reprodução do Blog Ecos do Nada por Marcelo Marat


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