quinta-feira, 22 de novembro de 2007

LUTO POR NÚBIA GOIANO


Foi brutalmente assassinada nesta quarta-feira última a figurinista e mulher de teatro Núbia Goiano, mãe de Edielson Goiano. Este que tive o prazer de conhecer pessoalmente em visita ao Curro Velho e que conheci mais pelo seu trabalho como dramaturgo do que pessoalmente.

Não me interessa comentar as circunstâncias do acontecimento. Até a ocasião me chegaram apenas informações desencontradas e também por achar ser um expediente inútil neste momento de dor e revolta para toda a classe artística; e absolutamente, para o filho e os familiares de Núbia.

Conheci a Núbia também muito brevemente em meados de 2001 quando da montagem do Auto das Pastorinhas da Unama e, se não conheci ao fundo o ser humano, conheci pela obra dos figurinos que confeccionava, uma mulher que pelo aprumo, carinho e dedicação ao ofício, mostrava real e genuína veneração pelo teatro e à profissão de fé do artista. Mais do que bastante para merecer todo o nosso respeito.

É consternado e revoltado que recebi esta notícia terrível ainda ontem, horas após o ocorrido.

Ouvi muitas pessoas dizerem que foi uma fatalidade. Não concordo. É um atentado à fé e à dignidade humana considerar este fato brutal apenas uma fatalidade. Este fato é o resultado de um país que, mais do que ter autoridades lenientes e irresponsáveis, está cultivando em bom adubo uma cultura que tem como lei a Lei da Selva.

Considerar o que aconteceu mais uma fatalidade é colocar os cidadãos pacíficos na condição de caça: fracos e indefesos diante de lobos com garras afiadas em uma plena e harmônica convivência natural. Não há nada de natural no assassinato diário de pessoas inocentes que estão apenas vivendo do seu trabalho. E muito menos naturalidade há em bandidos que medem a vida humana pelo conteúdo de bolsas e carteiras.

Por trás dessa falácia de que uma lei natural nos domina e que o que nos cabe nessa história de lobos e ovelhas é o papel de sacrificados, há um sinistro silogismo: o de que somos responsáveis, em algum grau, pela revolta dos bandidos e assassinos contra a sociedade, infelizes vítimas da "exclusão social" e, portanto, estamos recebendo o troco merecido ao nosso papel de excluidores históricos.

Não há direitos humanos para humanos direitos. Há "direitos humanos" para assassinos brutais que vestem a pele de cordeiro ao levar uma sova de um policial que realiza seu trabalho. Há "direitos humanos" para o infeliz ladrão que é baleado dentro da propriedade alheia. Há "direitos humanos" para todos os que optaram veementemente e insistentemente pelo papel de lobos em uma sociedade de ovelhas amarradas para o holocausto. Não são humanos policiais que morrem no dever ou pais de família a caminho do trabalho que são surpreendidos pela tragédia; como o termo acima discretamente parece sugerir, só podem pertencer a outra espécie.

Não é a questão de se eleger fulano ou sicrano, ou de destitur do poder "a" ou "b"; a mudança tem que ser na mentalidade de vítima fatal que estamos alimentando. Há de se cobrar sim de quem tem o poder e o dever de nos proteger, e para qual pagamos altíssimos impostos, o nosso direito à segurança e justiça. Há de nos posicionarmos sim contra a glamourização do bandido pobrezinho que mata dez pra comprar um tênis, de quem comete chacinas por um prato de comida. Havemos de escolher sim um front nesta batalha.

Há milhões de pessoas nesse país que são incapazes de descontar sua raiva num cão pulguento quanto mais em um ser humano. Muitos se humilham em balcões de lojas e aceitam viver um dia de cada vez uma vida mambembe como a dos artistas, apenas para não se darem o luxo de pegar em armas para cobrar sua "dívida social".

Mas a "luta pela sobrevivência" parece que têm matado o instinto de justiça e liberdade dos artistas. As gerações anteriores de palhaços, poetas e trovadores não exitavam em fazer pelo menos da sua vida um exemplo de insatisfação, quando não subiam em caixotes e montavam peças maravilhosas de protesto e lideravam uma nação inteira contra o desmando e a tirania fardada. Porém as décadas viram toda uma classe depositar suas esperanças em ideologias e lideranças de papelão, crentes de que estas trariam o paraíso à terra. Não há paraíso muito menos inferno. Há um limbo onde as pessoas suspiram eternamente uma esperança que não veio. Cientes de que ajudamos a geração anterior que sofria na mão dos censores a alcançar o poder, hoje não esboçamos um só gesto de indignação e de cobrança perante os não-fardados. Está tudo perfeito e harmônico como o foi o mundo momentos depois da Criação...

A vida humana tem um valor hoje tão profundo quanto um pires. O que choca é o roubo dos cofres públicos, das verbas para a educação e para a cultura. Militar é lutar contra a CPMF e o aumento do salário dos parlamentares. Crimes terríveis são mesmo o Mensalão e os doláres nas cuecas; o linchamento do menino João Hélio, a execução de uma família inteira em Bragança Paulista, o assassinato de Núbia Goiano e do vizinho do lado são coisas de importancia secundárias, por se tratarem de "fatalidades".

Não há planos há curto prazo pra se deter esse genocídio da população brasileira e de nosso entes queridos. Muitos ainda hão de ser oferecidos em libação no altar da "justiça social". Talvez eu, talvez você; Deus nos proteja! Mas muito podemos fazer se mudarmos agora nossa mentalidade para a valorização das coisas primeiras: e não há primazia mais urgente e mais necessária ao fazer do artista do que a defesa da vida e da dignidade humana, matéria-prima maior para a fornalha dos nossos dons divinos e nossa mais suprema missão.

*Por Luiz Fernando Vaz




quarta-feira, 14 de novembro de 2007

No princípio era o barro...














Usina de Teatro da UNAMA apresenta...
"O AUTO DAS SETE LUAS DE BARRO", de Vital Santos.

Dias 14, 15, 16, 22, 23, 28, 29 e 30 de Novembro

Sala de Experimentação Cênica da UNAMA
Campus Alcindo Cacela
5ºAndar - Bloco D

às 19:30h

-
Entrada Franca -

Direção: Paulo Santana

Classificação Livre

Informações: (91)4009-3013

Leia matéria sobre em http://teatroparaense.blogspot.com/2007/09/usina-de-teatro-ensaia-o-auto-das-sete.html

terça-feira, 6 de novembro de 2007

QUANDO A MÚSICA TERMINAR...














- Da esquerda para a direita: Artaud, Nietzsche e Jim Morrison.


*Por Marcelo Marat


O primeiro final de semana de novembro foi muito interessante para mim, em matéria de teatro. Pude assistir “As Bondosas Mulheres Choradeiras” na sexta, no Margarida Schivasapa; “Quando A Música Terminar...” no sábado, na Escola de Teatro e dança da UFPA; “Kaos” no domingo, no São Pedro Nolasco da Estação das Docas, além do SESI Bonecos no Hangar. Difícil foi escolher o que ver, e alguns espetáculos acabaram ficando fora da minha vista.

Do que vi, o que mais me impressionou foi “Quando A Música Terminar...”, criação coletiva dos alunos da Edufpa. Baseado na obra do dramaturgo francês Antonin Artaud (1896-1948), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) e do cantor e poeta Jim Morrison (1943-1971), o espetáculo utiliza esses três vértices tão díspares – e ao mesmo tempo tão próximos – para criar um clima de estranhamento, provocação, sedução e êxtase no espectador. Não há propriamente um enredo, da forma convencional, amarrando o espetáculo. No palco, oito atores utilizam música, canto e dança para desenvolver um grande ritual cujo objetivo é despertar os sentidos para o prazer da existência absoluta, a catarse de se saber mortal e finito e ainda assim não fugir disso, mas amar e viver justamente isso, esse momento fugaz, sem recorrer à esperança hipnótica das religiões. Através do Teatro da Crueldade de Artaud tem início a jornada dos atores/personagens, e do próprio público, a esse devir humano, trágico e ao mesmo tempo único e fascinante. O próprio Artaud se faz presente em duas cartas narradas durante o espetáculo, únicos textos inteligíveis (e quem conhece a trajetória de Artaud sabe o quanto isso pode soar paradoxal) num drama em que os diálogos e discursos são criados numa “linguagem secreta” de forte sonoridade. Nesse discurso, o corpo também fala, e de forma vigorosa, exigindo grande preparo físico dos atores.

Se Artaud e seu Teatro da Crueldade permeiam o espetáculo, Nietzsche, o filósofo martelador de mentes, comparece na afirmação dessa busca do além do humano através da vivência dionisíaca, onde o homem é seu próprio deus e canta e dança e faz de sua vida arte, para seu despertar. Fechando a tríade, o poeta Morrison, com sua dança xamânica de rei lagarto, dervixe moderno. Atentem, especialmente, para a seqüência em que Renato Torres gira contra a luz até a exaustão, sua sombra gigante projetada na parede. A serem notadas, também, as quatro mulheres – não três, como Hecate, as nornes ou as parcas, mas o quadrado mágico da perfeição e do equilíbrio – vendadas, ora ameaçadoras, ora sedutoras, sacerdotisas do inconsciente que me remeteram às figuras de pesadelo dos quadrinhos da editora Vertigo.

A jornada para o absoluto não é fácil. Alguns espectadores chegam a se retirar durante o espetáculo. A maioria, porém, deixa-se levar e participa, inclusive degustando água ardente estrategicamente espalhada pelo cenário. Não se preocupem: não é cenográfica, mas real e de ótima qualidade.

“Quando A Música terminar...” vale o tempo e o ingresso. É uma experiência da qual não se sai indiferente, goste-se dela ou não. Pena ser uma temporada tão curta, restrita a poucos espectadores. O público merecia uma chance maior de vê-la. Agora só no próximo dia 9, sexta-feira. Os deuses do Teatro, que sabem dançar e cantar, agradecem.


*Reprodução do Blog Ecos do Nada por Marcelo Marat


quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Tarahumaras e a tríade dos malditos




“Quando a música terminar...” é o espetáculo do grupo Tarahumaras da Escola de Teatro e Dança da UFPa (ETDUFPa) que estréia no próximo dia 2 de novembro na própria Escola. O espetáculo é resultado da linha de pesquisa “Filosofia e Arte trágica: Nietzsche, Artaud e Morrison” coordenada pelo professor Edson Fernando Santos da Silva - vinculada à pesquisa matricial O Desvelo de Procedimentos Metodológicos para Irrupções Teatrais” do Grupo de pesquisa GITA coordenado pelo Professor Cesário Augusto também da Escola de Teatro e Dança.

O grupo Tarahumaras se baseou na tríade poética/filosófica - Nietzsche, Artaud e Morrison – para realizar a pesquisa que resultou numa linguagem teatral vigorosa e intensamente instigante.

“Temos a Arte para que a verdade não nos destrua”, esta é a perspectiva estética nietzschiana trabalhada pelo grupo e onde os atores encontraram a justificativa da construção artística do espetáculo. Para isso, foram utilizados também os relatos e pensamentos de Antonin Artaud, ator e poeta francês, que com sua encantadora e voraz narrativa, intitulada Viagem à terra dos Tarahumaras, apontou os caminhos da peça teatral rumo ao Xamanismo.

“Desse modo, assumimos então, para encenação do espetáculo, o universo simbólico do Xamanismo, e modelamos as divindades gregas de “Apolo” e “Dionísio” como filhos gêmeos da “Mãe Terra” personagem anunciadora da dor primeira da existência humana. Dela nascem os Xamãs do Ar e do Fogo, que respectivamente, perseguindo esse apetite de vida artaudiano, vão em busca do alargamento de suas consciências, através de sua iniciação nos rituais do Vôo Mágico e do Domínio do Fogo, ritos recorrentes em várias tribos xamânicas pelo mundo inteiro” alegou o diretor do grupo Tarahumaras, Edson Fernando.

Fechando a tríade da pesquisa, a poesia e a musicalidade dark de Jim Morrison, vocalista e líder da banda The Doors, complementam o ambiente do espetáculo fazendo o convite derradeiro a todo aquele disposto a atravessar as portas da percepção: A música é sua amiga íntima, dance no fogo se ela quiser, a música é a sua única amiga. Até o fim.” Para Fernando, “o convite de Jim permanece vivo e nos conduz novamente a perspectiva nietzschiana, posto que o filósofo já nos alerta que sem a música, a vida seria um erro”.


ESTRÉIA: 2 de novembro às 20 horas.

PREÇO SIMBÓLICO: R$ 5,00 (meia para estudante).

CURTA TEMPORADA: 2, 3 e 9 de novembro (sempre às 20 horas)

LOCAL: Escola de Teatro e Dança da UFPa – Etdufpa / Jerônimo Pimentel esq. Com Dom Romualdo Coelho (Antigo prédio do MEC).

CONTATO: 9198 – 1099 (Edson Fernando) / 3272 – 4435 (Edson Fernando) / 9603 – 7021 (Suanny Costa)

FICHA TÉCNICA

Elenco

Dayane Jennings

Renato Torres

Edson Fernando

Andréa Bentes

Dario Jaime Souza

Luana Moura

Luiza Braga

Roberta Bentes

Participação Especial

Astréa Lucena

Iluminação

Sonia Lopes

Figurinos

Aníbal Pacha

Execução de Figurino

Mariléia Aguiar

Execução de Sonoplastia

Edie

Fotografia

Ana Flor


*Reportagem e divulgação de Suanny Costa