quinta-feira, 20 de setembro de 2007

TP entrevista CARLOS HENRIQUE VIEIRA


Carlos Henrique Vieira, paraense, 35 anos, é figurinista, carnavalesco, aderecista e cenógrafo formado pela Escola de Teatro da UFPA. Debutou na cenografia há quase cinco anos com o ousado cenário do espetáculo "Van Gogh, por Antonin Artaud", dirigido por Paulo Santana e encenado pelo Grupo de Teatro Palha, levando, logo de cara, o prêmio de Melhor Cenário na XX Mostra Estadual de Teatro da FESAT.
Carlos Henrique fala um pouco da sua descoberta do teatro, do prêmio da FESAT, de sua experiência no Carnaval, de sua parceria com Paulo Santana, de sua formação, influências, Escola de Teatro da UFPA e a cena teatral.

Teatro Paraense: Como aconteceu seu contato com as Artes Cênicas?

Carlos Henrique: Foi ocasional. Nada intencional. Tudo começou quando resolvi aceitar um convite para criar o figurino da peça "Ubu Rei, de Alfred Jarry", da Usina de Teatro da UNAMA. Confesso que fiquei meio inseguro pois nunca tinha feito nada pra teatro. Mas já começei certo porque eu começei pela leitura da dramaturgia que me subsidiou uma compreensão mais próxima do que o diretor pedia. Os desenhos foram dando certo, ainda bem... Aí fui me envolvendo cada vez mais na encenação e o que eram apenas desenhos, se desdobraram em material para o trabalho do ator. Isso foi me apaixonando. Dai não teve mais volta.

TP: Quer dizer que você já desenhava antes de fazer os figurinos dessa peça?

Carlos: Sim. Desenhava, eu acho , desde o útero da minha mãe (risos). Era meu passatempo desde pequeno. Desenhava muito, riscava tudo. Minha mãe dizia que eu não deveria desenhar na areia pois o tempo apagava... Desenhava por desenhar, me expressava, eu acho. Tinha uma obsessão por desenhar o corpo feminino, enchia cadernos, buscava aquela perfeiçao. Acho que isso foi melhorando cada vez mais meu traço. O mais intrigante é que eu não desejava ser desenhista, não tinha esa finalidade... Eles precisavam sair e eu os desenhava. O mais irônico foi que, antes de fazer os desenhos que se tornariam figurinos do "Ubu", eu não desenhava há três anos de tão ocupado que estava.

TP: E cadê esse desenhos dessa fase profícua?

Carlos: (Risos) Ixi! Perdi todos....Nunca guardei, ninguém guardou... Dei alguns, eu acho...

TP: E você fazia o quê antes do Teatro?

Carlos: Antes dava aulas de reforço de matemática, português, redação, física. E estudava, estava no segundo ano de Economia na UFPA.

TP: Nossa! Da economia para os palcos... Que distância!

Carlos: É verdade! Sempre tive em contato com as Ciências Exatas, esse universo frio de cálculos, fórmulas, gráficos...Talvez tenha sido por isso que o mundo de Teatro, o mundo da criação, do imprevisível subjetivo da Arte tenha me arrastado com tanta força. Era a tentação da mudança radical, do mundo racional para o frio na barriga do palco e do resultado que nele acontece. Acho que o poder de criar transforma. Faz bem essa adrenalina toda.

TP: E como foi ganhar assim, logo de cara, começando, o prêmio do festival da FESAT em 2004 com o cenário do "Van Gogh"?

Carlos: Eu fiquei bastante surpreso. Porque o cenário que eu fiz deu muito trabalho e foi o primeiro realmente autoral. E eu não tinha experiência do que poderia dar certo ou não em cena no palco. Ao mesmo tempo imaginava que os outros grupos já estavam mais além do que eu poderia fazer no momento. Fiquei surpreso com o prêmio do cenário e com a indicação a Melhor Figurino do "Burrinho Pedrês". Isso me mostrou que eu poderia estar no caminho certo.

TP: E como surgiu o carnavalesco Carlos Henrique?

Carlos: Aí a estória se repetiu. Nunca gostei de carnaval, de desfile de escola de samba. De repente, fui convidado pela Acadêmicos da Pedreira. Outro desafio enorme. Tive que lidar com muita gente, com um tempo pequeno, com uma responsabilidade de manter uma tradição. Vestir duas mil pessoas não foi fácil. Mas, com certeza, foi o teatro que me abriu essa porta. Mas é inegável que minha habilidade com o desenho é meu carro-chefe.

TP: E como é criar ao lado do polêmico Paulo Santana?

Carlos: Pesa muito menos criar ao lado dele. Ele tem uma visão, uma experiência global do teatro que te deixa seguro. É um profissional completo. Ele não sabia pôr no papel toda a sua loucura de criador e meus desenhos congelaram aquilo tudo em forma, em execução. Não acho ele polêmico. Acho ele exigente. Ele sabe o que quer, tem conhecimento de causa. Ter o rigor dele ao nosso lado é muito empolgante. Ele é muito flexível. Briga pelo que ele quer mas cede quando percebe o êxito do esforço das pessoas. O resultado disso o público conhece.

TP: Você se formou em cenografia pela escola de Teatro da UFPA. Como é a sua avaliação do curso e da própria escola de Teatro?

Carlos: Bem, quando eu entrei eu já tinha uma experiência de vários espetáculos, que tinham exigido muito de mim. Inclusive, no momento que eu entrei, estava fazendo o Carnaval do Acadêmicos. Isso fez com que eu exigisse que o curso me desse embasamento para o que eu fazia e conhecesse mais material para que eu trabalhasse na área. Até porque em Belém não tem nada que te ensine a ser cenógrafo. Minha avaliação é que naquele momento da minha entrada no curso a escola não estava preparada pra formar cenógrafos. Foi uma relação de muita exigência de toda uma turma de cenógrafos e profissionais diante de um corpo docente que não nos passava muita segurança no que ensinavam. Estavam todos tentando acertar, alunos e professores. Ainda estão tentando. De uma turma de 25 restaram seis para se formar.

TP: Quer dizer que não valeu a pena?

Carlos: Valeu a pena sim... É claro! Fez com que eu percebese que o cenógrafo, o carpinteiro teatral têm que conhecer os materias e as ferramentas do seu trabalho na prática. E a falta dessa prática na Escola fez eu perceber que isso era crucial, pois o que eu fazia lá fora me exigia aquilo e continua exigindo de todos nessa profissão. Mas o melhor foi a oportunidade de exercitar a criatividade diante da escassez de recursos. O curso, apesar das dificuldades e dos erros, provou ser de fundamental importância para a cidade. Muitos dos meus companheiros que cursaram comigo passaram agora nesses últimos concursos da Secult e da Fundação Tancredo Neves. Maravilha! Vão trabalhar dentro dos nossos teatros. Quem sabe eles não mudam essa realidade do artista entrar no teatro e ter que lidar com um cara que acha que subir ali e acolá pra pendurar um cenário é exagero. Quem sabe com cenógrafos, figurinistas e aderecistas amantes do teatro haja mais empenho daqueles que nos recebem nos teatros!

TP: Mas já rolou essa situação?!

Carlos: Rola, mas também não é sempre. Agora mesmo que os funcionários dos teatros, pressentindo a demissão e a substituição, estão se negando a fazer as coisas, ou fazendo com cara feia e má vontade. Quando tem que dar assistencia ao cenógrafo, ao iluminador, ao sonoplasta, para que ele adapte seu trabalho ao teatro, eles, ás vezes, dificultam e fazem serão. Isso é irritante. Coloque aí que não são todos. Mas basta um com esse espírito de porco pra tornar o clima insurpotável.

TP: Você viajou pela Caravana Funarte com o espetáculo "Nu Nery", do grupo de teatro Palha, dando oficinas. Que eram essas oficinas e como foi a experiência?

Carlos: As oficinas tinham muito a ver com a minha experiência de trabalhos nos grupos. Falava dos materiais que eu utilizava pra fazer os cenários. O título era "A Construção do espaço Cenográfico com materiais alternativos: o regional e o reciclável". Na verdade, era mais um bate papo, uma exposição do nosso fazer aqui da região. O tempo era pouco, não dava pra ensinar uma prática em 4 horas sobre os vários materias de que falava. Mas foi magnífico! Foi uma troca de experiências e idéias com os públicos locais maravilhosa. Teve uma procura muito grande de vários profissionais e aprendi mais com eles do que eles comigo(risos).

TP: Quais são as suas influências principais no seu fazer teatral?

Carlos: Gosto muito de assistir cinema e imaginar a confecção de cenários, a concepção. A estética fantástica do cinema me fascina. Queria muito que meu trabalho, o nosso trabalho se aproximasse daquilo que é feito no cinema. Mas trazendo o assunto mais para a nossa realidade, fico com o trabalho do J. C. Serroni. O pioneirismo dele, do José de Anchieta, do Flávio Império. A Daniela Thomas é outra maravilhosa. Svoboda, é claro, não podia deixá-lo de fora....

TP: Como você avalia a cena atual do teatro na cidade de Belém?

Carlos: Eu acho que ele tá buscando um profissionalismo maior dos atores, dos profissionais. Mas na prática do que legalmente, o artista de carteira assinada, com seus direitos e tal. Mas existe uma grande vontade que já tá movendo os grupos. Eles estão inaugurando sedes próprias(como o Cuíra) abrindo pautas e ficando em cartaz. Pra dar uma guinada é necessário urgentemente também um curso de Artes Cênicas de nível superior na cidade, que englobe não só o ator mas também toda a carpintaria do teatro. Ainda têm muito por se lutar. Mas esse aí é um bom caminho.


*Por Luiz Fernando Vaz

2 comentários:

karine Jansen disse...

parabéns pela iniciativa adoreiiiiiiiiiii e merda!

Unknown disse...

Acho que se fosse entrevitado hoje mudaria algumas opiniões. Mas a entravista é fiel às minhas observações e críticas. Reafirmo o disse, mudaria só no sentido de acrescentar. Valeu!